Enquanto o destino do mendigo estava amaldiçoado pelas forças do capital, um alemão dono da loja de animais empalhados estava aos redores da praça oferencendo suas mercadorias aos visitantes e aproveitando para queimar umas onças ponta de estoque: queria dinheiro com uma certa urgência. É que a alemã andava com umas vontades de voltar para terrinha.
- Tem que vender tuda, precisa sair daqui, piolho coça e não dá nem para uma empalhadinha, é um bicho ruim, teimoso! - dizia a destemida alemã.
- Sim. Ontem consegui vender uma cabeça de avestruz prum dessas...
- O QUÊ?? - a mulher berrou com muita força, pois estava com o aparelho auditivo desligado.
"Que diferença faria?" pensou o marido.
- TE PEGO AGORA, GORDINHAAA! HAHAHA!
- HAHAHAHA!
Os dois começaram a correr em volta da mesa de jantar. Os filhos do casal, donos do cachorro que despejou o mendigo, começaram a correr também em círculos, no que parecia uma terapia familiar bem disciplinada. Enquanto isso a praça estava fervilhando com os piolhos e os seus donos. A logomarca estava se firmando na mente daqueles cidadãos. Não conseguiam mais pensar em nada, nem em McFritas. E o mendigo ainda dormia, numa valentia excepcional. Não demorou muito. Um anão, segurando uma cabeça de avestruz, foi acordá-lo.
- Hãn? - primeira reação que se esperava do mendigo ao ver aquela figura inacreditável, quase onírica, ao mesmo tempo horripilante, o sabonete.
- Boa tarde. Estamos aqui para servi-lo. Você já pode acordar e tomar um banho. Há um cadastro sensacional esperando por você na praça. - disse o anão, com uma diplomacia telemarketiana.
- Eu estou na África? - o mendigo já estava se arrependendo de ter comido feijão potencialmente estragado há cinco horas atrás.
- O senhor está em Disneilêndias!
- Peraí, eu não conheço essa cidade. É algo além de Uberaba, assim, pro norte?
- Já vamos lhe explicar com todo o prazer. Está aqui o sabonete, a toalha e um crachá.
O mendigo gostou da toalha, colocou o crachá dentro do seu saco plástico do Carrefour com seus objetos de uso cotidiano - um espelho, uma tampinha de refrigerante, um pente quebrado, uma foto da mãe e uma figurinha colante do Super-homem. Guardava a figurinha para usar no dia de seu casamento e considerou o crachá uma relíquia de mesmo valor. Por fim recusou o sabonete. Argumentou que não iria tomar banho, porque não o fazia há muitos anos desde que em férias familiares um peixe entrou lhe no ânus e doeu à beça para tirar o cardume que entrou em seguida, apesar de ter feito uma fritada depois bla bla blá... O anão não acreditava muito, no entanto continuava sorrindo com aquele jeito de "mas parcele sem juros no cartão de crédito". Chegou o momento da tentativa de suborno.
- Você ficará com um dos ministérios de Disneilêndias. Basta cooperar.
- Eu já te perguntei onde é esse raio de cidade, é sul ou norte de Uber...?
- Você está nela. Não se preocupe.
- E o Jardim lá não sei das quantas?
- Também é aqui. Iremos mudar a vida de todos.
- A minha não. E não mostrarei minha traseira para os peixes de novo.
O combate estava travado.